19/02/2024 11h32 - Atualizado em 19/02/2024 11h34

O empreendedorismo no resgate de mulheres vítimas de violência doméstica

Foto: Débora Pedroza
Kézia Alice dos Prazeres, um dia vítima da violência, hoje empoderada por meio do empreendedorismo.

Transformação. Essa é a palavra que define a situação de mulheres que romperam com a situação de violência doméstica e hoje restauraram sua dignidade, proporcionando o sustento e a renda da família por meio do empreendedorismo. Se antes, no interior de suas casas, a dependência financeira, o medo, o direito de ficar calada e suportar toda dor, ditavam as regras do dia a dia, agora, a vontade de vencer, a resiliência, o saber fazer, a habilidade, e principalmente, o desejo de viver, foram determinantes para essa mudança definitiva.

Entre os inúmeros casos que acontecem no Espírito Santo, vamos destacar o da empreendedora Kézia Alice dos Prazeres, moradora de Feu Rosa, na Serra. Ela contou que uma das principais ferramentas para combater a violência contra a mulher a curto e médio prazos, é o empreendedorismo. Isso porque, nenhuma mulher que não tenha autonomia financeira consegue se libertar da violência. Daí a importância do Empreendedorismo nesse tipo de situação, pois permite que a mulher em vulnerabilidade e risco social trilhe de forma gradual e, principalmente, próxima dos filhos, esse processo de liberdade.

 “Não existe empoderamento feminino sem emancipação financeira. O empreendedorismo foi meu alicerce, a ruptura entre o poder viver e a dor. Mudei de lugar, mas não foi fácil, deixei de ser vítima para ser dona do meu próprio nariz, do meu dinheiro”.

No entendimento de Kézia Alice, quando toda situação de violência começou, só era possível ter renda por meio de um trabalho formal com carteira assinada, ela tinha filhos, que não conseguia sustentar sozinha, morava de aluguel, e quase não tinha renda. Uma vez ou outra, ganhava algum trocado com umas peças de artesanato que fazia eventualmente, o que não era suficiente para alimentar os filhos, por conta disso, aguentava toda a violência que sofria. “Eu vivia numa situação de violência, mas não conseguia me libertar por não ter autonomia financeira e não ter como sustentar meus filhos”, relatou.

A mudança de pensamento começou a acontecer, quando ela passou a participar de formações da Economia Solidária. “Entendi que o meu artesanato podia me trazer renda e ser minha atividade econômica permanente, comecei a fazer meus acessórios com restos de estofamentos recolhidos na comunidade, também utilizava restos de bijuterias e conchas que catava na praia. Com as peças prontas fui visitar lojas de acessórios. Decidi me juntar com outras mulheres e ensinar o que eu sabia fazer. Começamos a produzir juntas, vender os produtos e ter uma renda, que era dividida igualmente entre todas, comprávamos os materiais juntas, cada uma podia fazer seu horário para trabalhar de acordo com suas necessidades. Passei a ter uma renda regular. No entanto, as brigas e agressões continuavam”.

 

A Virada

“No dia que peguei um pedido grande que me proporcionou uma renda maior, vi que poderia me libertar, deixar ele e abandonar aquela situação, saí de casa com meus filhos, pois pela primeira vez ia conseguir pagar meu aluguel e colocar comida em casa. Ele não aceitou a situação, invadiu minha casa, prendeu meus filhos no quarto e me torturou por cerca de 20 horas, minha filha conseguiu fugir e pedir ajuda, ele acabou preso. Apesar da dor física e moral, eu estava forte, continuei trabalhando duro, me envolvi em causas sociais que ajudam mulheres a ter autonomia financeira. Toda vez que uma mulher empoderada se levanta, todo o entorno é transformado. E já adianto: existe trabalho digno, além das carteiras de trabalho”.

 

Potência feminina

Uma parceria com o Instituto Rede Mulher Empreendedora e o Instituto Google permitiu que Kezia Alice dos Prazeres coordenasse o programa Potência Feminina, no Espírito Santo, que capacitou 6.200 mulheres, principalmente das periferias, nas áreas de empreendedorismo, empregabilidade e tecnologia da informação.  Esse projeto ainda forneceu mais de R$ 220 mil em capital semente para potencializar os negócios dessas mulheres. Hoje, Kézia Alice é conselheira Nacional de Economia Popular Solidária, coordena um projeto que apoia e fomenta negócios liderados por mulheres nas periferias, chamado Semearte Serra.

 

Apoio para mulheres

Receber mulheres em vulnerabilidade e risco social. Esse é o objetivo do Instituto Mãos Unidas, localizado no Residencial Jacaraípe, na Serra. O espaço, que é coordenado por Lídia Ana Oliveira Roque Fehlbergue, oferece atendimentos terapêutico, psicológico, social e jurídico, além de formações, tendo como foco o empreendedorismo e a qualificação profissional. Ao todo, 50 mulheres são atendidas no dia a dia, no entanto, 250 passaram pelo local, com participação nos cursos ofertados.

Segundo Lídia, o exemplo de casa fez com que ela e a mãe buscassem ajuda para outras mulheres. “Minha mãe foi vítima de violência por mais de 30 anos. Com menos de um ano de casada ela levou a primeira surra e ficou três semanas hospitalizada em um Centro de Tratamento Intensivo (CTI), eu tinha seis meses no máximo, quando ela saiu do hospital não conseguiu se separar, o motivo: questões religiosas e financeiras. Ela não conseguia se desvencilhar dessa situação, sofria violência física, moral, psicológica e social, a partir dessa experiência de vida criamos o instituto, com o intuito de ajudar outras mulheres”, relatou.

Essa experiência, despertou em Lídia a necessidade de oferecer atendimento para mulheres que vivenciam esse tipo de situação. “Precisava de algo que fosse além do terapêutico, quero empoderar essas mulheres, capacitar, oferecer trabalho e renda para elas, para que assim elas possam se emancipar financeiramente e sustentar suas famílias”.

Uma das mulheres atendidas no Instituto Mãos Unidas, é Aparecida da Silva, de 39 anos. Ela vivia em um relacionamento tóxico, sofria violência psicológica. “Eu sempre fui diminuída, era chamada de gorda, feia e incapaz o tempo todo. Ouvia que tudo que eu fazia não prestava, tudo das outras era sempre melhor, e o pior era que eu acreditava em tudo isso. Depois que fui agredida fisicamente busquei ajuda no Instituto, fiz terapia, aprendi fazer biscoitos num curso lá mesmo, consegui me separar e hoje faço meus biscoitos e vendo em casa, tenho minha renda e consigo sustentar meus três filhos, contou Aparecida.

Para Lídia, o empreendedorismo na vida dessas mulheres significa a oportunidade de transformação, proporciona dignidade e a possibilidade de viver uma vida sem violência.   Uma das ações voltadas para atender essas mulheres de maior importância são as feiras de comercialização promovidas pela Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo do Espírito Santo (Aderes). “As feiras representam a oportunidade de gerar renda, pois nos coloca em contato com o cliente que vai visitar o local e isso é essencial para nós”, apontou.

 

Criando oportunidades e fomento pequenos negócios

Com políticas públicas voltadas para criar ou desenvolver os pequenos negócios no Espírito Santo, a Aderes tem desenvolvido diversas ações para criar essas oportunidades. Entre os serviços ofertados, destacam-se os cursos de capacitação empreendedora, consultoria, feiras comerciais, crédito orientado e produtivo, além da entrega de equipamentos.

 

Essas ações são voltadas para atender, inclusive, mulheres que estão em situação de vulnerabilidade. Segundo o diretor-presidente da Aderes, Alberto Farias Gavini Filho, todos serviços oferecidos pela Aderes têm a finalidade de fomentar o empreendedorismo, por conta disso, o trabalho vem sendo efetivado por todo Estado.

 

“Cuidar do empreendedor capixaba é o nosso negócio. Na prática, criamos oportunidades para que essas pessoas que querem empreender ou já têm um pequeno negócio possam se desenvolver. Nesse sentido, ofertamos cursos rápidos de capacitação empreendedora nas áreas da beleza, gastronomia, costura, marcenaria, elétrica, manutenção, entre diversos outros. O objetivo é que o aluno, ao concluir o curso, possa ir para o mercado com o seu próprio negócio. Mas não basta só ensinar fazer, ofertamos espaços de divulgação e comercialização desses produtos, nas feiras comerciais que apoiamos. Para quem precisa se estruturar, temos o Programa de Microcrédito do Estado, em que é praticado os menores juros do mercado e oferecido mais tempo para pagar o financiamento. Tudo pensado para que esse empreendedor possa ter dignidade, trabalho e renda”, ressaltou Gavini.

As ações não param por aí. Também foram criados Núcleos de Produções, implantados em regiões atendidas pelo Programa Estado Presente em Defesa da Vida, em que o espaço é montado e equipado para oferecer cursos nas áreas de panificação e costura, por exemplo. Neles, o aluno além de se capacitar, também vai poder usar a estrutura do local para fazer sua produção. “Aqueles alunos que fazem um curso de panificação, mas ainda não têm uma cozinha com os equipamentos necessários, podem agendar um horário para usar a estrutura do Núcleo e produzir os seus produtos, sem custo nenhum. Trabalhamos para que nossas atividades contribuam para o empoderamento dessas mulheres, e assim possam afastá-las da situação de violência”, disse o diretor-presidente.

 

Visibilidade e oportunidades

Ampliar vozes e narrativas femininas. Esse é meu objetivo ao contar histórias de mulheres que mudaram sua própria história por meio do Empreendedorismo. O potencial dessas mulheres é desconhecido, muitas vezes, por elas mesmo. Mas com o apoio necessário elas têm reescrito suas histórias com a força do saber fazer. Conectar essas mulheres com meio em que elas tenham visibilidade e possam divulgar o seu trabalho tem contribuído com novas oportunidades. “Poder acompanhar essas mulheres, ver a transformação por meio do empreendedorismo e dividir essas histórias de superação e sucesso, é uma forma de contribuir com o seu empoderamento”, ressaltou a assessora de comunicação, Débora Pedroza.

 

Violência contra mulher em números

Um número que só aumenta. O número de agressões contra mulheres no Espírito Santo subiu 7,4% em 2023. Ao todo, foram registrados 21.941 casos, o que representa uma média de 60 mulheres agredidas por dia no Estado. Quando olhamos para 2022 o número de ocorrências foi de 20.431.

Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), a maioria dessas agressões (70,2%) aconteceu na própria residência da vítima. Na prática, isso significa que a cada 10 mulheres vítimas da violência, sete foram agredidas dentro de casa.

O município que está liderando o ranking de registros de violência doméstica é Serra, com 2.073 casos. Em seguida está Vila Velha, com 2.053 registros. Cariacica ocupa a terceira posição, com 1.831 ocorrência.

Apesar de os números serem preocupantes, infelizmente, muitos casos não entraram para as estatísticas porque não são denunciados. Isso é o que diz a delegada Cláudia Dematté, chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher.

“É muito importante que a mulher que é vítima de violência doméstica e familiar não se cale jamais. É preciso denunciar desde a primeira violência sofrida. Por vezes, começa pela violência moral, desde xingamentos e humilhações, evolui para violência psicológica, por meio de ameaças, chegando até os casos de lesão e mortes. Então, é fundamental denunciar e estamos aqui para ajudá-las”, afirmou a delegada.

 

Onde buscar ajuda

Serviços do Governo do Estado

- Disque-Denúncia: 181

- Central de Atendimento à Mulher: 180

- Plantão Especializado de Atendimento às Mulheres: (27) 3323-4045

-  Defensoria Pública Estadual: (27) 99837-4549 (WhatsApp)
Mulheres que precisarem de medidas protetivas poderão fazer a solicitação por meio do www.defensoria.es.def.br, no link “medida protetiva”.

- Ministério Público: 127
Horário de atendimento: das 12h às 18h
E-mail: ouvidoria@mpes.mp.br ou ouvidoria.mpes.mp.br

- Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): 192

- Polícia Militar: 190

 

Núcleos de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência (Núcleo Margaridas) 

Microrregião Central Serrana

Onde está implantado: Santa Maria de Jetibá
Rua Frederico Grulke, 1280, Centro.


Municípios que o Núcleo atende: Itaguaçu, Itarana, Santa Maria de Jetibá, Santa Teresa e Santa Leopoldina. 


Microrregião Litoral Sul

Onde está implantado: Anchieta
Rua Padre João Arriagui, 172, Centro, Anchieta ES.


Municípios que o Núcleo vai atender: Alfredo Chaves, Anchieta, Iconha, Itapemirim, Marataízes e Piúma.
 
Microrregião Sudoeste Serrana

Onde está implantado: Afonso Cláudio

Rua Felício Pereira de Souza, 32, São Vicente.

Municípios que o Núcleo vai atender: Afonso Cláudio, Brejetuba, Conceição do Castelo, Domingos Martins, Laranja da Terra, Marechal Floriano e Venda Nova do Imigrante.

Microrregião Caparaó

Onde está implantado: Alegre

Rua Antônio Martins, 49, Centro, Alegre ES.

Municípios que o Núcleo vai atender: Divino de São Lourenço, Dores do Rio Preto, Guaçuí, Ibitirama, Muniz Freire, Irupi, São José do Calçado, Alegre, Bom Jesus do Norte, Ibatiba, Jerônimo Monteiro e Iúna.

Microrregião Noroeste

Onde será implantado: Nova Venécia
Rua Delma, 21, Margareth, Nova Venécia.


Municípios que o Núcleo vai atender: Águia Branca, Barra de São Francisco, Ecoporanga, Mantenópolis, Nova Venécia e Vila Pavão.

Microrregião Centro Oeste

Onde será implantado: Colatina
Rua Maria da Penha Serrafini Costa, 33, térreo, Fazenda Vitali.


Municípios que o Núcleo vai atender: Alto Rio Novo, Baixo Guandu, Colatina, Pancas, Governador Lindenberg, Marilândia, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, Vila Valério e São Roque do Canaã.

 

 

Informações à Imprensa:
Assessoria de Comunicação da Aderes
Débora Pedroza

027 99309-8431
debora.pedroza@aderes.es.gov.br

 

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